O
ônibus entra pela estrada do Imirim, na altura da praça da igreja, o relógio
marca nove e meia da manhã, o dia está lindo e claro, o sol muito quente, o
suor encharca meus cabelos e escorre para o meu rosto e pescoço, observo as
ruas asfaltadas, com bonitas casas bem cuidadas, os terrenos baldios de outrora
estão ocupados com lojas, cartórios, padarias e imobiliária. Vejo os pontos de
ônibus com aglomeração de pessoas, transeuntes bem vestidos caminham pelas
ruas, entram e saem do supermercado próximo ao Largo do Japonês, no lugar do
antigo posto de gasolina na esquina da Rua Itaberaba com o Largo do Japonês,
ocupa o suntuoso prédio do banco Bradesco. Faróis por todos os lados
disciplinam o tráfego intenso. Olho para frente, fico surpresa! Os morros de
Itaberaba, Vila Rica e Penteado, totalmente urbanizados,os telhados das casas
banhados pela luz do sol. Sinto-me emocionada! Ver Cachoeirinha no presente foi
um sonho do passado. Agora já não é só o suor que molha o meu rosto, pois se
mistura com as lágrimas que jorram dos meus olhos, devido a forte emoção.Meu
pensamento retrocede ao inverno de 1959 e a imagem de duas moças lindas, loiras
de olhos azuis e semblante divino surgi no palco de minha mente, Sister Norma
Richardson e Sister Gytembi: As duas missionárias que bateram à nossa porta.
Fico imaginando aquele momento em que eu disse a elas que nós não poderíamos
batizar por não poder guardar todos os
mandamentos de Deus, pois o dízimo seria o maior impecilio, pois a aposentadoria
do Pedro dava somente para pagar o aluguel e nada mais. Lembro-me claramente
das palavras que Sister Richardson nos respondeu: “Irmãos, não posso dizer para
que não paguem o dízimo, pois não tenho o direito de impedir que recebam as
bênçãos do Senhor!” Nós lhe respondemos: “Está bem, prometemos guardar todos os
mandamentos do Senhor.” Nós nos batizamos no dia 12 de Setembro de 1959. A reunião batismal
foi marcada para as 18 horas, a tarde estava extremamente fria e caía garoa,
mas a chama de nossa fé aquecia nossos corações .
Voltamos
para casa com a alma e o corpo lavados e em nosso semblante resplandecia a luz
de Cristo! Sentiamos em nossos corações o desejo de começar uma nova vida e
perseverar até o fim. O passado de sofrimento e amargura havia sido sepultado
nas águas do batismo, senti que estava despontando a aurora de um novo dia.
Fomos
fiéis, guardamos todos os mandamentos de Deus, pagamos com alegria e
honestidade o dízimo, fomos imensamente abençoados. No fim de 1959, adquirimos
uma casa na Cachoeirinha, foi realmente uma dádiva dos céus, foi o que se pode
chamar de milagre, pois foi somente naquele bairro humilde o nosso dinheiro deu
para comprar, Apesar de a compra ter sido uma bênção, e nos ter trazido muitas
alegrias e gratidão a Deus, nos trouxe grandes desafios. No Jardim Centenário,
onde situa a casa, não tinha luz nas ruas e nem água encanada, a água do poço
não era potável, saía barrenta e com gosto de ferrugem, chegou até entupir o
encanamento. Fizemos uma caixa ao lado da cozinha e depositávamos a água e
esperávamos a sujeira decantar, para usar a água, que servia somente para lavar
roupa, e limpeza. Solicitamos a prefeitura para colocar uma caixa na rua e nos
fornecer água para beber e cozinhar, e assim o problema foi solucionado temporariamente
até que chegou a água encanada para aquele bairro. Havia pouquíssimas casas, as
ruas não eram asfaltadas, nos dias de chuva, caminhar pela lama era um grande
desafio, ônibus tinha somente duas linhas, e quando chovia, dependendo do
lugar, costumava atolar, lojas, haviam duas lojinhas, uma padaria, um
mercadinho, com pouco suprimento, o que salvava era uma boa feira.
Um
dos maiores desafios que tive que enfrentar era ter que sair de casa todos os
dias as quatro horas da manhã para trabalhar no Serviço Social de Menores na
Av. Celso Garcia, para sustentar a família, pois o Pedro nesta época, estava
impossibilitado de trabalhar. O que foi muito penoso para mim, era deixar os
meus filhos no meio daquele proletariado, a maioria assaltantes, marginais e
viciados em drogas.
Felizmente com as bênçãos e proteção do Senhor, os nossos
filhos saíram ilesos da influência e dos
pecados daquela geração iníqua.
A
igreja ficava em Santana, nos dias de chuva, o
ônibus chegava até o bairro do Imirim devido a lama. Nós caminhávamos
dois quilômetros para ir e voltar duas vezes por dia, pois as reuniões eram
feitas de manhã e a noite: a escola
dominical pela manhã e a sacramental a noite. Caminhávamos no meio da chuva e
atolando na lama. Difícil mesmo foi para o Pedro, pois tinha que carregar o
Serginho no colo, ele tinha cinco anos e estava muito doente com febre
reumática que já havia atingido o coração. Porém a nossa fé, amor pelo
evangelho de Jesus Cristo e obediência a Deus, nos dava força e coragem e assim
tivemos muitos dias de sacrifício! Dias de chuva e de lama e dias de sol e
alegria. Agora estou aqui dentro deste ônibus, com o pensamento voltado para
aquele tempo com o rosto molhado de suor e lágrimas, meu peito se ufana de
gratidão e alegria. Agora neste momento, compreendo que morar na Cachoeirinha
não foi uma mera causalidade. Morar na Cachoeirinha foi uma gloriosa missão que
a família foi designada a cumprir e não
sabia: Fui designada pelo presidente da missão para cumprir uma missão por
tempo indeterminado para ajudar os missionários. Essa designação me trouxe muita
alegria, pois seria a oportunidade de realizar o meu sonho de ter uma ala da
Igreja na Cachoeirinha. Orei ao Senhor em
busca de inspiração.O primeiro passo foi organizar uma primária do lar e
trabalhar com as crianças. Trabalhei desesperadamente com as crianças e seus
pais: às Quartas- feiras era um dia de grande alegria muitas crianças bem
vestidas e felizes me enchia o coração de alegria e gratidão. Dentro de pouco
tempo onze famílhas foram batizadas .
Continuei trabalhando com os missionários à procura de famílias completas para
que os homens pudessem receber o sacerdócio.
O
trabalho foi árduo, exigiu muito sacrifício e dedicação, porém foi muito
compensador. Finalmente conseguimos o número de pessoas suficiente para abrir o
ramo. Infelizmente o Presidente da missão achou por bem que o ramo deveria ser
aberto na Casa Verde. Procuramos uma casa, e finalmente encontramos na Rua
Atilho Pifer e lá iniciamos com maior intensidade o trabalho missionário, o Presidente
do ramo foi o irmão Ávila, e o presidente da Escola Dominical foi meu o Pedro
meu marido, Eu fui a presidente da
Sociedade do Socorro e da Primária. O ramo cresceu. Em 1962 fui desobrigada da
missão e chamada para ser a presidente da primária do distrito, o ramo
continuou a crescer, dividiu, e formou o ramo do Imirim e da Cachoeirinha
depois Jardim Peri, Chora Menino, os ramos passaram a ser alas, as capelas
foram construídas. A primeira capela da Casa Verde foi demolida e no lugar
atualmente ocupa o majestoso prédio do CTM, a maior obra construída fora dos
Estados Unidos. Aqueles garotinhos da primária do lar, cresceram na igreja
foram chamados para cumprir uma
missão, fizeram seus convênios sagrados no Templo do Senhor! Hoje são poderosos
líderes na Igreja, e alguns dos pais foram bispo e alguns ainda são. Muitas
crianças nasceram sob os convênios sagrados. O Pedro e eu fizemos várias
missões.
Houve
muita luta, muito sacrifício, perdas e muitos ganhos. Hoje vejo Cachoeirinha, Casa Verde, Imirim,
jardim Peri, não só banhada pela luz do sol, como pela luz do Evangelho.
Maria José
Pereira Antunes
“Quanta saudade preservada
no velho baú de prata
dentro de mim.”
(Gilberto
Gil)