Histórico
Imigrantes a bordo, observando a cidade, momentos antes de
desembarcar em Santos, SP, s/d
Acervo Museu da Imigração - SP
A vinda de imigrantes para o Brasil, ressalvada a presença dos portugueses -
colonizadores do País - delineia-se a partir da abertura dos portos às "nações
amigas" (1808) e da independência do País (1822). À margem dos deslocamentos
populacionais voluntários, cabe lembrar que milhões de negros foram obrigados a
cruzar o oceano Atlântico, ao longo dos séculos XVI a XIX, com destino ao
Brasil, constituindo a mão-de-obra escrava.Os monarcas brasileiros trataram de
atrair imigrantes para a região sul do País, oferecendo-lhes lotes de terra para
que se estabelecessem como pequenos proprietários agrícolas. Vieram primeiro os
alemães e, a partir de 1870, os italianos, duas etnias que se tornaram
majoritárias nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Entretanto, a
grande leva imigratória começou em meados de 1880, com características bem
diversas das acima apontadas.
A principal região de atração passou a ser o estado de São Paulo e os
objetivos básicos da política imigratória mudaram. Já não se cogitava de atrair
famílias que se convertessem em pequenos proprietários, mas de obter braços para
a lavoura do café, em plena expansão em São Paulo. A opção pela imigração em
massa foi a forma de se substituir o trabalhador negro escravo, diante da crise
do sistema escravista e da abolição da escravatura (1888). Ao mesmo tempo, essa
opção se inseria no quadro de um enorme deslocamento transoceânico de populações
que ocorreu em toda a Europa, a partir de meados do século XIX, perdurando até o
início da Primeira Guerra Mundial. A vaga imigratória foi impulsionada, de um
lado, pelas transformações sócio-econômicas que estavam ocorrendo em alguns
países da Europa e, de outro, pela maior facilidade dos transportes, advinda da
generalização da navegação a vapor e do barateamento das passagens. A partir das
primeiras levas, a imigração em cadeia, ou seja, a atração exercida por pessoas
estabelecidas nas novas terras, chamando familiares ou amigos, desempenhou papel
relevante. Nas Américas, pela ordem, os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil
foram os principais países receptores de imigrantes.
No caso brasileiro, os dados indicam que em torno de 4,5 milhões de
pessoas imigraram para o país entre 1882 e 1934. Destes, 2,3 milhões entraram no
estado de São Paulo como passageiros de terceira classe, pelo porto de Santos,
não estando, pois, aí incluídas entradas sob outra condição. É necessário
ressalvar, porém, que, em certas épocas, foi grande o número de retornados. Em
São Paulo, por exemplo, no período de crise cafeeira, (1903-1904), a migração
líquida chegou a ser negativa. Um dos traços distintivos da imigração para São
Paulo, até 1927, foi o fato de ter sido em muitos casos subsidiada, sobretudo
nos primeiros tempos, ao contrário do que sucedeu nos Estados Unidos e, até
certo ponto, na Argentina.
O subsídio consistiu no fornecimento de passagem marítima para o grupo
familiar e transporte para as fazendas e foi uma forma de atrair imigrantes
pobres para um país cujo clima e condições sanitárias não eram atraentes. A
partir dos anos 30, a imigração em massa cedeu terreno. A política nacionalista
de alguns países europeus - caso típico da Itália após a ascensão de Mussolini -
tendeu a colocar obstáculos à imigração para a América Latina.
No Brasil, a demanda de força de trabalho, necessária para o
desenvolvimento industrial, passou a ser suprida, cada vez mais, pelas migrações
internas. Habitantes do Nordeste do País e do estado de Minas Gerais abandonaram
suas regiões em busca do "el-Dorado paulista". Na década de 30, somente os
japoneses, ligados à pequena propriedade agrícola, continuaram a vir em grande
número para São Paulo. Em anos mais recentes, a imigração para o Brasil,
qualitativamente, diversificou-se bastante. Novas etnias se juntaram às mais
antigas, como é o caso da imigração de países vizinhos - Argentina, Uruguai,
Chile, Bolívia etc. - tanto por razões profissionais como políticas.
Coreanos passaram a compor a paisagem da cidade de São Paulo,
multiplicando restaurantes e confecções. Após os primeiros anos de dificuldades
extremas, que não foram muito diversas das que atravessaram em outros países, os
imigrantes acabaram por se integrar à sociedade brasileira. Em sua grande
maioria, ascenderam socialmente, mudando a paisagem sócio-econômica e cultural
do Centro-sul do Brasil.
No Sul, vincularam-se à produção do trigo, do vinho, e às atividades
industriais; em São Paulo, impulsionaram o desenvolvimento industrial e o
comércio. Nessas regiões, transformaram também a paisagem cultural, valorizando
a ética do trabalho, introduzindo novos padrões alimentares e modificações na
língua portuguesa, que ganhou palavras novas e um sotaque particular. Os
imigrantes europeus, do Oriente Médio e asiáticos (portugueses, italianos,
espanhóis, alemães, judeus, sírios e libaneses, japoneses) influenciaram a
formação étnica do povo brasileiro, sobretudo na região Centro-sul e Sul do
País. Tendo em conta as contribuições de índios e negros, disso resultou uma
população etnicamente diversificada, cujos valores e percepções variam de um
segmento a outro, no âmbito de uma nacionalidade comum.
Imigrante espanhol no comércio de ferro-velho em São Paulo, nos
anos de 1950
Acervo Museu da Imigração - SP
Os espanhóis começaram a imigrar para o Brasil em razão dos problemas no
país de origem e das possibilidades de trabalho que, bem ou mal, lhes eram
oferecidas. Muitos agricultores, proprietários de minifúndios, partiram da
Galícia; outros vieram da Andaluzia, onde eram, principalmente, trabalhadores
agrícolas.
Nos primeiros tempos, ou seja, a partir da década de 80 do século XIX, os
espanhóis foram encaminhados, sobretudo, para trabalhar nas fazendas de café no
estado de São Paulo. Com relação aos demais grupos europeus, caracterizaram-se
por serem os que, em maior grau, chegaram como grupo familiar e os que trouxeram
crianças em maior proporção.
Eles constituíram a terceira maior etnia que imigrou para o Brasil, após os
portugueses e italianos, entre 1880 e 1972, representando cerca de 14% do total
de imigrantes nesse período.
Dentre os grandes grupos de imigrantes, os espanhóis foram os que mais se
concentraram no estado de São Paulo. O censo de 1920, por exemplo, revelou que
78% dos espanhóis residiam neste estado. Embora a grande maioria dos espanhóis
tenha se fixado, a princípio, no campo, onde ganharam posições como pequenos e
médios proprietários, a presença urbana da etnia não é desprezível. Em seus
primeiros tempos, os espanhóis vincularam-se ao comércio de metais usados - o
chamado "ferro velho" - e ao setor de restaurantes, diversificando,
posteriormente, suas atividades.
Família de imigrantes italianos no Núcleo Colonial Jorge
Tibiriçá, em Rio Claro, interior de São Paulo, em 1911
Acervo Museu da Imigração - SP
Os italianos começaram a imigrar em número significativo para o Brasil a
partir da década de 70 do século XIX. Foram impulsionados pelas transformações
sócio-econômicas em curso no Norte da península italiana, que afetaram sobretudo
a propriedade da terra.
Até a virada do século, italianos dessa região predominaram na corrente
imigratória. A partir daí, os italianos do Centro-sul ou do Sul se tornaram
dominantes. Um aspecto peculiar à imigração em massa italiana é que ela começou
a ocorrer pouco após a unificação da Itália (1871), razão pela qual uma
identidade nacional desses imigrantes se forjou, em grande medida, no
Brasil.
As grandes áreas de atração de imigrantes italianos para o Brasil foram os
estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Considerando o período
1884-1972, verificamos que quase 70% dos italianos ingressaram no País pelo
estado de São Paulo.
As condições de estabelecimento dos italianos foram bastante diversas. A
imigração sulina praticamente não foi subsidiada e os recém-chegados
instalaram-se como proprietários rurais ou urbanos. Em São Paulo, foram a
princípio atraídos para trabalhar nas fazendas de café, através do esquema da
imigração subsidiada. Nas cidades paulistas, trabalharam em uma série de
atividades, em especial como operários da construção e da indústria têxtil.
Os imigrantes italianos influenciaram fortemente os hábitos alimentares nas
regiões em que se fixaram e deram uma importante contribuição à industrialização
gaúcha e paulista. A maioria dos primeiros grandes industriais de São Paulo - os
Matarazzo, os Crespi - constituíram o grupo dos chamados "condes italianos",
cuja proeminência só foi ultrapassada com o correr dos anos.
Crianças imigrantes japonesas no Núcleo Colonial Barão de
Antonina, em Itaporanga, SP, 1933
Acervo Museu da Imigração - SP
A primeira leva de japoneses chegou ao Brasil em 1908, através de um esquema
de imigração subsidiada. Houve oposição inicial à imigração dessa etnia, que
acabou sendo aceita como uma alternativa as dificuldades impostas pelo governo
italiano à imigração subsidiada de italianos para o Brasil. Os japoneses
concentraram-se no estado de São Paulo, correspondendo a 92,5% o número de
japoneses que entrou nesse estado, entre 1909 e 1972. O fluxo imigratório de
japoneses ganhou relevo no período posterior a 1930, quando a imigração de
italianos e de espanhóis se reduziu consideravelmente. Entre 1932 e 1935, cerca
de 30% dos imigrantes que ingressaram no Brasil eram de nacionalidade
japonesa.
Os japoneses foram destinados inicialmente as fazendas de café, mas
gradativamente tornaram-se pequenos e médios proprietários rurais. Dentre todos
os grupos imigrantes foram os que se concentraram por período mais longo nas
atividades rurais, em que se destacaram pela diversificação da produção dos
hortifrutigranjeiros. Em anos recentes, houve forte migração de descendentes de
japoneses para os centros urbanos, onde passaram a ocupar posições importantes
nas várias atividades componentes da área de serviços
Família imigrante de origem judaica em São Paulo, na década de
1920
Acervo Museu da Imigração - SP
A chegada de populações judaicas ao Brasil torna-se gradativamente
significativa a partir de meados dos anos 20, no século XX. A vinda de
israelitas para o País insere-se tardiamente no influxo da imigração em massa e
ganha relevo maior nos anos 30, em decorrência das perseguições nazistas.
Entre 1936 e 1942, mais de 14 mil pessoas ingressaram no País. Embora esse
número pareça reduzido, convém lembrar que ele representa 12,1% da imigração
total naqueles anos. As populações judaicas entraram em sua grande maioria pelos
portos do Rio de Janeiro e de São Paulo. A princípio, vieram sobretudo judeus da
Europa Central - os chamados russos - e, a seguir, os alemães, após a ascensão
do nazismo. Os judeus fixaram-se nas cidades, localizando-se, no início, em
bairros étnicos, como é o caso do Bom Retiro, em São Paulo. A primeira geração
concentrou-se nas atividades comerciais. Seus filhos e netos diversificaram suas
iniciativas, tornando-se industriais, profissionais liberais etc.
Família de imigrantes portugueses em foto para o passaporte,
Portugal, 1922
Acervo Museu da Imigração -
SP
Como "descobridores" do Brasil, vieram para a colônia desde seus primeiros
tempos de existência. Mesmo considerando-se apenas o período posterior à
Independência (1822), os portugueses representam a etnia imigrante mais
numerosa. Foram atraídos pelas dificuldades econômicas no país de origem e pelas
afinidades linguísticas. Lembremos, porém, que, considerado apenas o período
1877-1972, o fluxo de ingresso de portugueses e italianos se assemelhou,
correspondendo respectivamente a algo em torno de 31% do total de entradas.
Dedicaram-se tanto a atividades rurais como urbanas e, mais do que qualquer
outra etnia, espalharam-se por várias regiões do Brasil.
O Rio de Janeiro constitui o maior centro urbano concentrador de
portugueses e seus descendentes. Controlaram, no passado, desde o comércio a
varejo de alimentos até os grandes jornais. Durante o período que vai da
Independência do Brasil a fins do século XIX, os portugueses foram alvo de
críticas preconceituosas por parte dos nacionais, sobretudo no Rio de
Janeiro.
Essas críticas resultaram de ressentimentos para com os colonizadores e
ganharam amplitude pela atividade exercida pelos portugueses na capital do País.
Como estes controlavam aí a venda de gêneros alimentícios, tornaram-se muitas
vezes bode expiatório para os problemas da população, decorrentes da elevação de
preços.
Família libanesa em São Paulo, s/d
Acervo Museu da Imigração - SP
Sírios e libaneses começaram a imigrar para o Brasil em fins do século XIX,
fugindo as dificuldades econômicas em suas regiões de origem. Concentraram-se,
principalmente, no estado de São Paulo, mas uma parcela deles fixou-se no Norte
do país, nos estados do Pará, Amazonas e o então Território do Acre,
caracterizados por um baixo fluxo imigratório. Por toda parte, sírios e
libaneses se dedicaram as atividades comerciais, tendo um papel relevante no
comércio da borracha, durante o auge do período de produção e exportação desse
produto (1890-1910), nos estados do Norte.
Em São Paulo e em menor escala no Rio de Janeiro, sírios e libaneses
dedicaram-se ao comércio, a princípio como mascates, percorrendo com suas
mercadorias as ruas dos grandes centros urbanos, as fazendas e pequenas cidades
do interior. Gradativamente, abriram estabelecimentos comerciais, tornaram-se
industriais, escalando os degraus da mobilidade social.
Os descendentes dessa etnia diversificaram suas atividades, sendo notável sua
concentração na medicina e sua presença nas atividades políticas.
Texto do Professor Boris Fausto. Fonte: site do Ministério das Relações
Exteriores.
Doutor e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), onde se formou
em Direito (1953) e em História (1967), Boris Fausto é professor do Departamento
de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Entre seus principais trabalhos incluem-se: A Revolução de 1930. Historiografia
e História (São Paulo, Brasiliense, 1970), Trabalho Urbano e Conflito Social
(São Paulo, Difel, 1975), Crime e Quotidiano. A Criminalidade em São Paulo,
1880-1924 (São Paulo, Brasiliense, 1984), Historiografia da Imigração para São
Paulo (São Paulo, Sumaré/Idesp, 1991) e História do Brasil (São Paulo, Edusp,
1994). Editou quatro volumes da História Geral da Civilização Brasileira (Rio de
Janeiro, Bertrand Brasil), referentes ao período republicano.
Família de imigrantes alemães no Núcleo Colonial Nova Europa, em
Ibitinga, SP, 1941
Acervo Museu da Imigração - SP
Os primeiros imigrantes alemães chegaram ao Brasil logo após a Independência,
dentro de um programa de colonização idealizado pelo governo brasileiro, que
visava o desenvolvimento da agricultura e a ocupação do território no Sul do
País. A primeira colônia alemã foi fundada em 1824, com o nome de São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul, numa área de terras públicas do Vale do Rio dos Sinos. As
tentativas anteriores de estabelecimento de colônias com alemães na região
Nordeste fracassaram, e a data de 1824 marca o início da corrente imigratória
proveniente de diversos estados alemães. Ao longo de mais de 100 anos entraram
no Brasil aproximadamente 250 mil imigrantes - num fluxo anual pequeno, mas
contínuo, que teve seu momento de maior intensidade em 1920, no auge da crise
econômica-social da República de Weimar.
Durante quase todo o período de duração do fluxo imigratório (entre 1824 e
1937), a imigração alemã se caracterizou pela participação contínua no processo
de colonização em frentes pioneiras - compartilhada por outros imigrantes
europeus, sobretudo italianos - que resultou na formação de um campesinato de
pequenos proprietários. Neste processo, os alemães e seus descendentes ajudaram
a ocupar as terras públicas dos três estados do Sul através da fundação de
inúmeras colônias, concentradas na região Noroeste de Santa Catarina, no
planalto setentrional do Rio Grande do Sul até o rio Uruguai, no planalto
paranaense e em alguns vales de rios, como o Sinos, Jacuí, Taquari e Caí, no Rio
Grande do Sul, e Itajaí, em Santa Catarina.
Entre as colônias mais conhecidas estão aquelas que passaram por um processo
de desenvolvimento econômico com a industrialização - caso de Blumenau,
Joinville e Brusque, em Santa Catarina, e São Leopoldo, Novo Hamburgo e Ijuí, no
Rio Grande do Sul - para citar alguns exemplos. Houve ainda estabelecimento de
alemães em algumas colônias do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
São Paulo - todas pouco expressivas. Por outro lado, uma parte dos imigrantes -
sobretudo após a Primeira Guerra Mundial - se estabeleceu em cidades maiores
como Porto Alegre, Curitiba e São Paulo.
A concentração em algumas regiões do Sul, além da manutenção da língua e de
outras características da cultura original e da presença marcante de uma
imprensa, escola e associações germanizadas, criou condições para o surgimento
de uma etnicidade teuto-brasileira, cuja marca é o pertencimento primordial a um
grupo étnico demarcado pela origem alemã. Disto resultou uma longa história de
atritos com a sociedade brasileira, que culminou com a campanha de
nacionalização durante o Estado Novo (1937-1945) - uma tentativa de acelerar o
processo assimilacionista. Os ideais primordiais de pertencimento étnico, embora
atenuados, não desapareceram após a Segunda Guerra Mundial e podem ainda hoje
ser percebidos nas principais regiões de colonização alemã.
Texto de Giralda Seyferth: Fonte: Site do Ministério das Relações
Exteriores
Mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Giralda
Seyferth é doutora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo e
professora do Departamento de Antropologia do Museu Nacional - UFRJ. Entre suas
principais publicações estão os livros A Colonização Alemã no Vale do
Itajaí-Mirim (Porto Alegre, Editora Movimento, 1974), Nacionalismo e Identidade
Étnica (Florianópolis, Fundação Catarinense de Cultura, 1982) e Imigração e
Cultura no Brasil (Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1990), além de
numerosos artigos em revistas especializadas.
www.diasmarques.adv.br/pt/historico_imigracao_brasil.htm